Tantra – A arte do ritual e da magia

O Tantra é a mais controvertida de todas as tradições espirituais. Abaixo, entenderemos um pouco mais sobre o porquê disso, além de desconstruirmos algumas preconcepções.

Tantra

Tantra e o Sexo

O motivo para a controvérsia que envolve o Tantra é sua relação à manifestação da sexualidade.

Há uma discriminação em relação ao sexo, que, com o tempo, deixou de ser uma função natural do corpo e do espírito para ser algo considerado pecaminoso e ilícito, quando praticado fora de regras sociais onde a naturalidade é no mínimo questionável.

E é essa perda da naturalidade em relação à manifestação da sexualidade que deixou nas pessoas resíduos samskáricos condicionadores que tornam difícil a aceitação e prática da visão tântrica do sexual.

Sexo como Fonte de Prazer

O Tantra não é a arte do sexo prazeroso. Esta arte é tratada num conjunto de escrituras denominadas Kama-shastras, das quais o Kama-sutra é a mais conhecida, e que nada têm a ver com o Tantra e com a vivência mística tântrica. Portanto, não há na tradição tântrica preocupação com prazer, superorgasmo e outras delícias da sexualidade, que podem ser vivenciadas independentemente do ritual tântrico.

Sexo como Expressão do Divino

Confundir o Tantra com práticas sexuais voltadas ao prazer é uma forma que algumas pessoas encontram para “legalizar” seus preconceitos ou dar um “ar místico” à relação.

Muitos mestres tântricos da linha do sábio Abhinavagupta eram celibatários, não constituíam família e não praticavam a relação sexual de maneira comum. Para eles, o ritual secreto denominado em sânscrito “rahasyapuja” ou “maithuna”, onde um homem e uma mulher se unem num complexo ritual que culmina com uma cópula, era considerado um sacramento pelo qual as vibrações sutis do início da vida eram celebradas e vividas em uníssono.

Tantra e sua Etimologia

Sob o aspecto etimológico, a palavra tantra significa urdidura, trama ou tecido. No sentido mais geral, significa também: tratado ou escritura [shastra], tradição ou sistema, ordem [vidhi], regulação [niyama]. Entretanto, quanto ao aspecto místico relativo à tradição, o termo tantra deriva da raiz verbal sânscrita [tan], cujo significado é “aquilo que expande”, no sentido da expansão do conhecimento espiritual pela compreensão que advém da prática do ritual e da magia.

A Epistemologia do Tantra

Sob o aspecto epistemológico, o Tantra caracteriza-se por uma visão sagrada da natureza e dos processos naturais. Assim, sua teologia e metafísica, denominadas em sânscrito Abhasavada, reconhecem a presença divina em tudo. Assim, sendo a natureza parte da manifestação divina, todos os seus processos são considerados perfeitos, sem mácula e sagrados em sua essência.

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As Origens Históricas do Tantra

As origens da Tradição Tântrica perdem-se na protohistória da Índia.

Período Pré-Védico

Os primeiros cultos com características tântricas encontram-se no período pré-védico, entre os povos do Vale do Indo, na cultura Harapense [2500 a.C.], cuja tradição era muito ligada à natureza e a fertilidade da mulher e do solo, embora haja indícios de que práticas tântricas tenham sido muito comuns entre os povos de fala dravidiana também no sul da Índia.

Período Védico

Já no período védico, os primeiros cultos tântricos voltados à figura feminina do Divino, na forma da Deusa Mãe [1800 a.C.], que então surge em múltiplas formas e aparições, celebravam a presença da feminilidade e da fecundidade nas deusas Ushá, Aranyaní, Gayatrí e Durga. Posteriormente, encontramos cultos tântricos voltados às deusas Umá, Narasimhí, Tripurá, Mahákálí e Rajarajeshvarí.

Movimento Guhyasamaja

Entretanto, as principais tradições tântricas da Índia somente surgiram após o movimento denominado Guhyasamaja, que foi uma dissidência interna do budismo, entre os anos 150-300 d.C. Este movimento, inicialmente secreto, surgiu devido ao descontentamento dos monges frente às regras estritas da comunidade que não permitiam a ingestão de bebidas e de carne e o contato feminino de qualquer tipo. Assim, o movimento Guhyasamaja foi consolidando uma nova visão da vida e da noção de certo e errado, que passou a nortear a conduta dos monges frente às coisas naturais da vida.

Mais tarde, com a dissolução do budismo, muitos devotos sem casta, por não serem aceitos no seio dos brâmanes, procuraram opções nos novos cultos emergentes. Entre eles, alguns eram de conotação tântrica, como o dos Sahajiyá, que floresceu nos estados de Assam, Orissa e Bengala, entre os séculos VIII e IX d.C. Posteriormente a essa tradição, seguem-se outras: Yamala ou Vira-yoguini, Kapalikas, Kaula, Kula, Krama e, posteriormente, a Trika, de Abhinavagupta, na região de Caxemira.

Tantra Branco x Tantra Negro

Como o Tantra é a arte do ritual e da magia, logo surgiu a divisão entre o que se convencionou denominar Tantra Branco e Negro. Mas, em verdade, não existe essa coisa de Tantra Branco e Negro, ou da esquerda e da direita. Tantra é Tantra.

No ritual tântrico, a intenção do devoto inspira o ritual e seus desdobramentos, ou seja, as vibrações de “energia” geradas são usadas e direcionadas conforme a natureza espiritual do devoto.

As Diferentes Linhas Tântricas

As linhas tântricas Vamachara, denominada “Tantra da Mão Esquerda”, e Dakshinachara, denominada “Tantra da Mão Direita”, nada têm a ver com conceito ético de certo ou errado.

Na verdade, a palavra sânscrita vama tem duas acepções, podendo significar tanto “esquerda” como “mulher”, dependendo do alongamento vocálico. Além do mais, a acepção da palavra “esquerda” tem mais a ver com a posição da mulher “à esquerda” do homem no início do ritual, que com a dicotomia que dividiu as atitudes humanas na política em “de esquerda” e “de direita”. Na linha tântrica Vamachara, o ritual é explícito e contém o sacramento de cópula efetuado com uma mulher sacerdotisa (vira-yoguini).

Na linha Dakshinachara, o ritual sacramental de cópula é simbólico e interior, ou na mente do devoto.

Entretanto, uma linha não deve ser considerada superior à outra. A linha Vamachara é ideal para aqueles cujo domínio das emoções, dos instintos e dos condicionamentos da mente foram alcançados. Abhinavagupta dizia que o devoto deve iniciar pela linha Dakshinachara para, posteriormente, com sua evolução espiritual e seu controle emocional, poder alcançar o ideal Vamachara. De qualquer forma, em qualquer ritual, o que valem sempre são a habilidade e intenção do devoto.

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Ritual Tântrico

 

Elementos

O ritual tântrico utiliza muitos elementos [upacaras] como forma de linguagem, entre eles:

  • Gestual ou mudrá;
  • Vibração primeva;
  • Yantras ou representações geométricas das deusas;
  • Lamparinas votivas;
  • Incenso;
  • Flores;
  • As três proibições dos brâmanes: carne, vinho e cópula.

A vibração primeva pode ser usada em vários níveis de sutilidade, dos quais o acústico ou grosseiro [mantra] é o mais conhecido. Nesse caso, os mantras são quase sempre monossilábicos e denominados bijamantra, que é a palavra de invocação sutil da Deusa no coração do devoto.

Outro nível importante de uso da vibração primeva é sem dúvida o denominado “alento vital”, ou seja, a arte de usar a respiração em conjunto com a imersão no prâna, que é a essência da manifestação divina [vrtti-spanda] no mundo da ilusão ou materialidade.

Erotismo

Embora a busca do prazer não seja o objetivo do sacramento de maithuna, o ritual é bem erotizado, pois o erotismo é um fator importante para por em funcionamento a máquina bioquímica do veículo físico de cada participante.

Também é bom lembrar que a metafísica tântrica não vê distinção entre a espiritualidade e a sexualidade, pois ambas têm uma origem comum na Kundaliní Deví. Tampouco vê distinção entre matéria grosseira e sutil, pois ambas são percepções distintas e ilusórias da vibração primeva, o prâna-vrtti-spanda.

Assim, o corpo físico e sua bioquímica, denominados em sânscrito sthula-sharirá, são sempre vistos como um complexo campo vibracional, que inclui interações emocionais oriundas da mente [não-Eu] com os campos secundários da manifestação, que denominamos moléculas.

Os Papéis do Homem e da Mulher

O ritual secreto de maithuna compõe uma seqüência ritualística denominada por Abhinavagupta de 3Ms. Isso porque é uma prática que contém as três coisas proibidas pelos rituais ortodoxos: o vinho, a carne e o elemento feminino.

A inclusão da mulher como um elemento do ritual não é uma colocação depreciativa. Afinal, ela é a parte mais importante, sendo através de seu Ser que a Deusa é venerada como símbolo da feminilidade.

No ritual, a mulher representa sempre a consciência dinâmica do divino [cidrupini] e o homem a consciência estática [cit]. Assim, através do ritual, celebra-se a reunião ou yoga entre esses dois pólos conscienciais, que antes da manifestação formavam uma só essência, denominada Paramashiva [Ardhanarishvara].

Os Frutos da Tradição Tântrica

A Tradição tântrica dá dignidade à percepção da vida e da natureza divina manifestada como vida. Por isso, seu exercício eleva o devoto à coparticipante do processo cósmico e estabelece uma correspondência entre o macrocosmo e o microcosmo.

Porém, embora o Tantra esteja disponível para todos, com certeza nem todos estão capacitados para a prática tântrica. Para isso, são necessários perfeito autocontrole e reconhecimento de que tanto a sexualidade como a espiritualidade originam-se na Kundalini (ou Citkundalini), uma vibração primeva que é a essência do Eu Real e morada da “consciência como poder”.

Oswaldo Marmo

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